As escolhas de Nuno

 

Era uma vez, um rapaz chamado Nuno.

Quando Nuno tomava uma decisão, não havia ninguém que o fizesse mudá-la. É uma característica notável e de grande valia, mas o homem era radical. Há anos, ele só tomava sorvete de pistache, só ouvia MPB e não bebia nada, além de suco de caju. Também não viajava a lugar algum, nunca saira de sua cidadezinha no interior. Não usava telefone celular e tomava três banhos por dia.

Tudo bem ter preferências, todo mundo tem as suas, mas Nuno não aceitava nenhuma sugestão e, nunca pisava fora da faixa. Tinha de ser como ele queria, ou então, não queria nada. Perdera várias namoradas por esse motivo, mas não se incomodava em viver só. Ninguém entendia seu estilo de vida e, assim, era tão mais pacífico. Ele também não gostava de brigar.

Um dia, Nuno quis assistir “O Exterminador do Futuro” , mas quando ligou atelevisão estava passando “Diário da Princesa” e no outro canal, “Hellowen”. Nenhum dos dois era o que ele queria, então desligou a televisão e ficou ali, olhando a tela escura por exatos 108 minutos.

Não faz assim, Nuno!

Certo inverno, Nuno foi ao mercado fazer compras e não encontrou as caixas de suco de caju que gostava. Foi até o setor de hortifruti, mas também não haviam cajus por lá. Procurou um dos funcionários e perguntou, onde estavam.

─ Sinto muito, senhor. O fornecedor de sucos de caju não fez a entrega, estamos em falta. Sem previsão para repor o estoque, por enquanto.

─ E os cajus?

─ Depois das chuvas no país, a produção de cajus diminuiu drasticamente, creio que não teremos caju por algum tempo, também. Sinto muito.

Como todo mundo sabe, ou deveria saber, o organismo humano sobrevive durante muito tempo sem alimentos, mas nunca sem líquidos. Nuno não bebia nenhum outro tipo de líquido e,  logo, foi internado por desidratação. Os médicos tiveram de sedá-lo para administrar-lhe o soro fisiológico intra-venoso. Ficou hospitalizado por 3 meses, até os cajus voltarem as gôndolas dos supermercados.

Nuno também só usava roupas verdes. Desde as camisetas, as calças, cuecas, meias e sapatos eram em tons esverdeados. Para complicar ainda mais, só comprava roupas de 4 em 4 anos e, somente, no mês de outubro. Naquele ano, Nuno foi as compras e ao visitar a única loja em que comprava, percebeu que não haviam roupas verdes nas araras. Pediu para falar com a gerente da loja, que lhe explicou:

─ Desculpa, Nuno, mas nosso estoque de roupas verdes não era muito grande e, esse ano, verde esta na moda. Todas as peças foram vendidas.

─ E quando renovarão o estoque?

─ O novo carregamento chega em novembro.

─ Novembro é tarde. Tem que chegar ainda em outubro, mande vir agora!

─ Sinto muito. Não há nada que eu possa fazer, mas, olhe ao redor, temos roupas azuis e vermelhas em bastante quantidade.

Só haviam roupas azuis e vermelhas, nenhuma peça branca, nem preta ou amarela. Não que fizesse diferença para Nuno, ele só queria verde. Vermelho, lembrava sangue, guerrilhas, torturas e isso tudo lembrava morte. Azul, lembrava céu, que lembrava pássaros e Nuno, só gostava de cachorros. Fora bicado por um tucano, uma vez. Ficara traumatizado.

Sem outras opções, Nuno virou as costas a gerente e foi para casa. Por todo outubro, ele voltara na loja e insistira com a gerente. Sempre recebia a mesma resposta: só em novembro. Seguira usando as velhas roupas, andava pelas ruas como um mendigo. Até que, algum tempo depois, elas estavam tão puídas, que perdera o emprego. Logo, não havia nenhuma peça para usar e, Nuno, resolveu não usar nenhuma.

Saiu para a rua, nu. Felizmente, os cajus voltaram as gôndolas e ele queria sorvete de pistache. As mulheres gritavam espantadas, os homens gritavam impropérios. Os jovens riam e as mães cobriam os olhos das meninas. Caminhou por algumas ruas até chegar ao supermercado. Na porta, o segurança impediu que entrasse e o arrastou para a sala da gerência. Em minutos, ouviram o barulho de sirenes e a luz azul e vermelha do giroflex atravessarem os vidros da janela.

Nuno foi preso e declarado culpado por atentado ao pudor. Encaminharam-no para o presídio da cidade por algum tempo. Não muito. Ele enlouqueceu por ter de vestir os macacões laranjas que eram destinados aos presos. Então, foi transferido para o hospital psiquiátrico, onde só andava com a bunda de fora porque se recusava a usar qualquer coisa que não fosse a camisola verde clara do hospital.

Verde. Agora sim, estava como ele queria.

 

 

Moral da história: Entenda como quiser.

 

Sobre ÂndriaOrtiz

"Ela não era tola. Mas como quem não desiste de anjos, fadas, cegonhas com bebês, ilhas gregas e happy ends cinderelescos, ela queria acreditar." Caio Fernando Abeu

Publicado em terça-feira, 26 26-03:00 outubro, 2010, em crônicas e marcado como , , , , . Adicione o link aos favoritos. 5 Comentários.

  1. “Moral da história: Entenda como quiser.”

    Hahaha. Muito boa. Tem gente que teima mesmo, né? Mas malucos só são os outros, nossas manias são sempre normais.

    =**

  2. hahahahhaa

    Muito bom.
    Sabe, já fui extremamente firme nas minhas preferências, não cheguei a ser tão radical quanto o Nuno.
    até que, resolvi variar em tudo (quer dizer, praticamente tudo).
    Resolvi provar todos os sabores de sorvete disponíveis, chocolates, jeans, brincos, cores, texturas e tudo o mais.
    não consegui mudar a família, os amigos, o namorado.
    Os laços afetivos são muito fortes para serem substituídos.

    O texto é encantador, engraçado e nos faz pensar em muitas coisas simultaneamente.

    Gostei muito da sua visita no blog. aquele texto é especial pra mim.
    Grande beijo ;D

  3. Tá, tudo bem que ser extremista é ridículo, mas também não ter personalidade e viver mudando de opinião nunca levou ninguém a lugar nenhum….

  4. Exato, Hatisblei

    O segredo é o equilíbrio!!!
    Obrigada pela visita! 😀

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